27 de maio de 2015

"Gadanthara" o Curta Nacional Livre que Será Exibido no Anima Mundi 2015

Como diz a música "liberdade, liberdade, abra asas sobre nós!" eu realmente adoro o software livre e como ele pode ajudar de fato uma produção! Hoje lhes apresento o Gadanthara, um curta metragem totalmente produzido e licenciado em software livre. Como se não bastasse, os produtores irão disponibilizar todos os arquivos fontes em seu site para que as pessoas possam estudar e gerar conteúdo. Mas a festa não acaba por aqui. Ele foi selecionado para ser exibido no maior festival de animação nacional o Anima Mundi.
Para explicar melhor todo o projeto o Animação S.A. entrevistou o diretor e produtor da animação Filipe Soares Dilly.

Graduado em Tecnologia e Design Gráfico pela UNATEC e formado em Técnico em Design Gráfico pela escola técnica Senai CECOTEG, Filipe Trabalha como professor de CG 3D na Casa dos Quadrinhos à mais de 7 anos. Palestrou sobre CG em universidades brasileiras e convenções especializadas em CG. Seus trabalhos já passaram em tv aberta Brasileira, cinemas, festivais, mostras nacionais e internacionais de animação e cinema (Prixars, Suzannne AWARDs, Mostra de Tiradentes). Maiores detalhes neste link
Animação S.A.: Como surgiu a ideia do projeto?
Dilly: Super resumindo a coisa (desculpas à todos que sabem e viveram a história aqui resumida):
A ideia surgiu um tempo depois que comecei a dar aulas na Casa (dos quadrinhos) por volta de 2007. Lá fiquei conhecendo dois grandes amigos (além de outros) que também davam aula na época:

Primeiro o Daniel Pinheiro Lima, animador e criador das tirinhas do Oswaldo Augusto e depois (através do "Dan") o Eduardo Damasceno que hoje foca sua vida nos quadrinhos (fez o Achados e Perdidos, Cosmonauta Cosmo e Bidu com Luís Felipe Garrocho).

Eu e o Dan não aguentamos ficar parado. Começamos a fazer pequenas animações por conta própria usando Programas abertos (que estavam ganhando ritmo na época), como esta.  As nossas ambições foram crescendo e sugamos o Damasceno pra dentro do buraco negro. O projeto surge então nas entre aulas da Casa, como uma animação de quase 30 minutos inspirada em um conto do Damasceno. No decorrer dos meses fomos chamando outros professores e alunos para o projeto e estes contribuíam da forma que podiam. Faziam concepts, modelavam, faziam testes e davam ideias.

Logo percebemos que 30 minutos de animação era "muita coisa" pra fazer no tempo livre; sem financiamento o roteiro foi mudando até se tornar algo mais próximo do que é hoje... Mas ainda assim longo. O roteiro original tinha 10 minutos.

Uns dois anos se passaram e entramos em um projeto de Piloto para a tv em uma produtora (hoje extinta) chamada Abuzza. Lá conhecemos outro amigo, o produtor de cinema e tv Guilherme Fiúza Zenha. O Fiúza acabou gostando muito de trabalhar conosco no Piloto e perguntou se não gostaríamos de fazer algo com ele... Foi aí que o projeto voltou a tona, agora com o Fiúza como produtor se encarregando de conseguir financiamento através de editais e leis de incentivo a Cultura.

Depois de um tempo conseguimos passar na lei de incentivo e captar no Fundo Municipal de Belo Horizonte para realizar dois curtas: Gadanthara, que eu era o proponente e diretor e o Joana, que o Daniel era o proponente e diretor. Foi aí que o projeto conseguiu ganhar impulso (isso foi em 2010).
Depois disso foram anos fazendo a coisa, refazendo a coisa, revisando... Até que ele saiu com 5 minutos (metade do tempo original).
E entenda que estou omitindo um milhão de pequenos, médios e "grandes" acontecimentos, entre eles a nossa ida a Holanda para apresentar um projeto na Blender Conference, mas esta história da um livro a parte.

Animação S.A.: Qual foi a motivação do estúdio em utilizar e licenciar o filme em software livre?
Dilly: Primeiro, um parêntese:

Não somos um Estúdio. O Dan já teve um estúdio junto com outro grande amigo, o Lucas Libânio.
Não tínhamos um lugar fixo para trabalhar. Primeiro foi em casa e nas "entre aulas" e cafés, depois na Abuzza, na casa do Dan onde improvisamos um "estúdio" e depois em casa novamente. O dinheiro que recebemos não dava para pagar aluguel de estúdio ou mesmo alugar equipamentos apropriados. Foi tudo gasto com as pessoas, e parte que não tínhamos a mínima competência/condições de fazer sem dinheiro. Som, Música e o tratamento de película/som 5.1. E mesmo assim as Pessoas receberam muito pouco, ainda mais levando em conta a qualidade do trabalho e empenho delas! (Obrigado, pessoas!)

Agora com relação de utilizar Software Livre:
Desde que conheci o Dan e o vi utilizar o Ubuntu em um PC muito chulé pra fazer animação eu migrei para programas abertos. E é basicamente isso. No começo foi pela pura eficiência da coisa. Depois que fui (fomos, se considerar que o Damasceno também migrou depois) entender toda a filosofia e "moto" dos programas abertos. Aí que a coisa não teve volta mesmo. Gostamos, respeitamos e entendemos que o processo do código aberto é muito superior ao restante que existe.
Basicamente dinheiro é o ultimo motivo pela qual escolhemos usa-los. Achamos o troço bão mesmo, sabe?
Animação S.A.: Quais softwares foram utilizados no projeto, e no que cada um contribuiu para concretizá-lo?
Dilly: Usamos o Blender, Gimp, Inkscape, entre outros menores plugins e afins. Tudo rodando no Ubuntu. O Blender usamos literalmente pra tudo! Da modelagem e animação em si, à edição de vídeo/composição digital. Pra fazer café... O Gimp foi utilizado nas pinturas dos concepts, texturas e tratamento de imagem no geral. Inkscape e Scribus para logos e diagramação da bíblia do projeto.
No geral, com toda a sinceridade do mundo não acreditei que conseguiríamos fazer se não fossem estes programas. Um motivo recorrente em todos eles é o fato deles serem desenvolvidos com a ideia de produção com equipes pequenas e eficientes. Principalmente o Blender.
Animação SA: Porque disponibilizar os arquivos fontes como faz a Blender Foudation com os filmes deles?
Dilly: Ainda vamos disponibiliza los, na realidade (depois que o filme rodar em festivais). Mas vamos fazê lo por pura inspiração e agradecimento à comunidade do Software Livre. Aprendemos MUITO com os arquivos e informações liberadas de forma aberta pela Blender Foundation e projetos de código aberto. Basicamente tudo que eu sei e aprendi foi fuçando e pesquisando tais coisas.
Animação S.A.: Qual foi a maior dificuldade do projeto e como conseguiram superar?
Dilly: Desculpa, não dá pra responder a esta pergunta sem dar uma palestra (não) motivacional de 4 horas, estendida por 6h e regada a palavrões, lágrimas e gargalhadas.
Mas pra não te deixar no vácuo; falta de recursos, lugar para trabalhar, falta de experiencia com produção de animação... Só pra começar!
Animação S.A.: Quanto tempo durou a produção do projeto?
Dilly: De 2007-2008 até 2014, Juro!

Animação S.A.: Saindo da parte técnica e indo para a trama, poderia explicar resumidamente qual é a história que o filme conta?
Dilly: (Ops... desculpa: Não acho que falei da parte técnica nas perguntas anteriores... rs)
Como disse antes, o curta é inspirado em um conto escrito pelo Damasceno, intitulado A Biblioteca de Pormenores. O conto descreve um lugar onde todos os pormenores do universo são catalogados e arquivados.

"Gadanthara é um simpático funcionário da Biblioteca de Pormenores. Sua Função é divulgar os editais desta instituição secular. Porém a Biblioteca de Pormenores está encerrando suas atividades e o manda para divulgar um último edital, uma última chance para a humanidade inscrever seus pormenores. O filme mostrará a noite em que Gadanthara tenta pregar os cartazes deste último edital, e não vai ser fácil. A cidade de São Corisco, para onde ele é enviado, está completamente tomada por outros cartazes e a poluição publicitária deixou a região inteira um pouco agressiva."

Todo o filme gira em torno da ideia de que fazer as coisas é difícil, mesmo que isso seja apenas colar um cartaz bonito em uma cidade poluída... Principalmente se você se importa em fazer as coisas "bem feitas" ou, como eu (e acredito que meus amigos) gosto de colocar "com cuidado e carinho".
Animação S.A.: Baseado na identidade visual do filme, posso deduzir que a fonte de inspiração foram os animes japoneses, tais como Viagem de Chihiro e Castelo Animado. Caso não, qual foi a referência?
Dilly: Deduziu bem!
O nosso diretor de arte, Eduardo Damasceno, foi quem definiu muito do visual da coisa. O Dan também teve uma grande importância nos visuais, bem como todos os outros artistas que participaram da produção, com destaque á Maria Amélia, modeladora que fez vários cenários, Flávio que ficou responsável pelos cenários e o bonde, e Paula Markiewicz que fez os concepts dos cenários e animação.

Todos gostamos e admiramos muito o trabalho do Estudio Ghibli. Eles são uma grande inspiração para o curta, não apenas no visual, mas também na forma de produção e cuidado que eles tem com tudo que fazem. Além do Ghibli foram grandes influencias os trabalhos de Laika (que fez Paranorman e Coraline) e Pixar. Fora da animação posso citar o fotografo francês Brassai (sou Fã, de carteirinha), os pintores Rembrandt, Hopper, entre outros. Também pesquisamos muito fotografias das décadas de 20-60 (do século 20!) de algumas cidades, principalmente São Francisco, Nova York, Belo Horizonte, Rio e São Paulo.

Nossa intenção, especialmente minha, do Damasceno e do Dan, era explorar o 3D de forma diferente do usual. Se inspirando em materiais e objetos reais, mas sem intenção de ser realista ou mesmo preso a realidade. Um aspecto muito importante pra nós era o visual dar a impressão de ser "palpável", que é uma das caraterísticas que mais gostamos do Stop-Motion.

Animação S.A.: Fale sobre o filme ser aceito no festival Anima Mundi, e se já sabem quais as datas e horários que ele será exibido?
Dilly: No dia que nosso produtor Fiúza me ligou, ele perguntou se eu estava sentado... Ainda bem!
Foi uma surpresa muito grande pra mim, pessoalmente. Quando você passa tanto tempo fazendo uma coisa, acaba vendo aquilo com uma espécie de... Banalidade? Não sei como colocar em palavras, mas eu não imaginava que fosse entrar. Então fiquei meio atônito, sem saber o que pensar da coisa. Muito feliz, definitivamente! O Anima Mundi é um festival muito importante e muitos ao redor do mundo enviam trabalhos pra ele!

Não faço a mínima ideia das datas que ele será exibido. Ainda não passaram isso pra gente. Eu sei que estarei com certeza na edição de SP! Quem quiser me encontrar por lá pra papear, fica a dica! :D

Animação S.A.: Após a exibição no festival, o filme será publicado na Internet?
Dilly: Isso é uma coisa que tenho que discutir com o produtor! Imagino que ainda existam outros festivais e mostras que gostaríamos de (tentar) participar.
Mas estou doido para coloca lo on-line! Já pensei até em jogar no torrent e fingir espanto quando alguém me dissesse. Brincadeira, Fiúza!
Animação S.A.: Vocês pretendem inscreve-lo em outros festivais de animação?
Dilly: Como disse acima, sim! Já o temos feito. Quando algum aceitar, vamos anunciar na página do Facebook! Curtam lá, pessoal!
Animação S.A.: O grupo já tem outro projeto em vista? Se sim, tem como dar uma palinha aqui para nós?
Dilly: Não temos nenhum projeto em vista. Mas cada um anda focando nas áreas que mais gosta (quadrinhos, educação, jogos...). Pessoalmente ando me aventurando no desenvolvimento de jogos digitais.
Animação S.A.: Qual a parceria de vocês com a Casa dos Quadrinhos?

Dilly: Não existe nenhuma parceria oficial ou coisa do tipo. Mas como disse antes, foi na Casa que nos conhecemos, o que a torna um lugar importante na nossa história. Além disso eu trabalho lá como professor (de CG 3D e Pintura Digital) e tive a oportunidade de expor lá os trabalhos do curta, bem como fazer uma pequena palestra/"making-off" para os alunos. Agradecemos muito a Casa por tudo isso!
Obrigado, pessoal da Casa!